A origem das contas de vidro remonta aos primórdios antigos. A composição química das contas e suas características morfológicas e técnicas podem revelar de onde elas vêm; essas informações podem então ser usadas para reconstruir os canais de comércio entre áreas de produção de vidro e os locais onde as contas foram usadas em momentos diferentes.
Arqueólogos da Universidade de Genebra (UNIGE), trabalhando em parceria com o Institut de Recherche sur les Archéomatériaux no Centro Ernest-Babelon em Orléans, França, analisaram 16 contas de vidro arqueológicas encontradas em três sítios rurais no Mali e no Senegal entre os séculos VII e XIII. No jornal Plos One,os cientistas demonstram que o vidro de que são feitos provavelmente veio do Egito, da costa levantina e do Oriente Médio. Os resultados mostram que o comércio internacional que liga a África à Europa e à Ásia durante o desenvolvimento das grandes configurações estatais da África Ocidental não parou nos grandes centros urbanos localizados ao longo do rio Níger: também se conectou com o comércio local e regional. Desta forma, uma extensa rede, incluindo áreas rurais subsaarianas e rotas comerciais transsarianas, tomou forma.
Especula-se que as contas de vidro descobertas na África eram originalmente parte de cargas enviadas de barco para serem trocadas por escravos por volta do século XVIII. Sua procedência é muito mais antiga e seus lugares de origem muitos e diversos. Na África subsaariana ocidental, as contas foram encontradas em sítios arqueológicos urbanos do período medieval ao longo do rio Níger. Vários textos árabes descrevem essas rotas comerciais que atravessam o Saara e ligam o continente africano à Europa e Ásia. “Caravanas transsarianas trocavam cavalos, armas, objetos de luxo e sal por marfim, ouro e escravos”, explica Anne Mayor, pesquisadora da Unidade de Antropologia da Faculdade de Ciências da UNIGE.
Membros do Laboratório de Arqueologia e População na África da UNIGE realizam escavações arqueológicas há várias décadas em locais no centro do Mali e no leste do Senegal, incluindo antigos cemitérios e aldeias. Eles investigaram a evolução de estilos de vida e técnicas. Um total de 16 contas de vidro foram desenterradas em três desses locais datados entre os séculos VII e XIII. Para entender sua procedência e formar uma imagem de como era o comércio em uma época em que os primeiros reinos africanos estavam se desenvolvendo, os arqueólogos embarcaram em uma análise de suas características morfológicas e técnicas juntamente com sua composição química.
Contas: um tipo de ‘bola de cristal’
Três componentes principais são necessários para a produção de vidro. O ingrediente principal é a sílica, que é obtida a partir de minério de quartzo ou areia. Isso tem que ser derretido, mas como seu ponto de fusão é muito alto, o “fluxo” mineral ou vegetal é adicionado para ajudar no processo. Finalmente, o calcário de rochas ou conchas de calcário serve como estabilizador para a estrutura de vidro. “Analisando a composição química do vidro, podemos começar a entender a origem das matérias-primas utilizadas para fabricá-lo e, em alguns casos, o período em que foi produzido”, afirma a primeira autora do estudo, Miriam Truffa Giachet, para quem este trabalho é parte integrante de sua tese de doutorado da UNIGE.
“Também é importante entender que a produção de contas de vidro envolve várias etapas, geralmente localizadas em diferentes lugares”, continua o pesquisador com sede em Genebra. O primeiro passo consiste na coleta das matérias-primas, que são então transportadas para um centro de produção primário onde o vidro bruto é feito. Isso é então transportado para centros secundários para fabricar objetos de vidro antes de ser distribuído para vários locais através do comércio. Os cientistas cruzaram os resultados da análise química das contas com fontes históricas e dados de escavações arqueológicas, obtendo assim informações precisas sobre a origem das contas.
O laboratório encontra o campo
A originalidade do estudo está na análise cruzada de dados de campo arqueológico e dados laboratoriais para aprofundar nossa compreensão dos objetos arqueológicos africanos. Os cientistas usaram ablação a laser indutivamente acoplado à espectrometria de massa plasmática (LA-ICP-MS) para avaliar a composição química das contas sem danificá-las, graças à amostragem a laser que testa quantidades muito pequenas de material. Desta forma, foram identificadas as prováveis origens das contas: Egito, costa levantina e Oriente Médio.
Segue-se que os agropastoralistas subsaarianos (cujas habitações e tumbas escavações arqueológicas encontraram vestígios) foram incorporados em redes comerciais muito amplas, como revelado pela presença de objetos de fontes distantes. Esses locais estavam em uma posição periférica em relação aos centros regionais de energia, mas pelo menos um deles, no leste do Senegal, estava perto de minas de ouro – um recurso que contribuiu significativamente para sua riqueza. É interessante notar que nenhuma das contas analisadas tinha as características típicas do solitário centro de produção primária africano ativo na época, na Nigéria, apesar do fato de haver comércio interno leste-oeste.
África Subsaariana: conectada ao resto do mundo
O estudo adiciona peso à ideia de que, neste momento, mercadorias de prestígio circulavam por rotas comerciais que ligavam a África subsaariana ao resto do mundo. “A imaginação popular ocidental pensa que a África foi desconectada além do Saara, mas isso claramente não foi o caso! Foi totalmente integrado em uma grande rede internacional que ligava África, Europa e Ásia. Estava ligado ao comércio local que trazia bens de origem distante para o sertão”, conclui o Dr. Mayor.
O artigo, “Estudo composicional e procedência de contas de vidro de sítios arqueológicos no Mali e no Senegal na época dos primeiros estados sahelianas”, de Miriam Truffa Giachet, Bernard Gratuze, Anne Mayor e Eric Huysecom, é publicado no Plos One. Clique aqui para ler.
fonte : medievalists
Tradução : Fatos Curiosos
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